Conceituação.
Os poderes da Administração são prerrogativas de direito público, que o sistema jurídico confere aos agentes públicos para permitir que o Estado alcance suas finalidades. Decorrem da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e, portanto, têm caráter meramente instrumental, pois seu valor está nos fins que o Estado persegue. Justamente por esse caráter instrumental, e também pelo motivo de que a Administração não tem só o direito, mas principalmente o dever de agir em prol do interesse público, pode-se dizer que esses poderes são, na verdade, poderes-deveres. Celso Antônio Bandeira de Mello os chama de deveres-poderes, justamente para sublinhar que a Administração tem o dever de utilizar tais poderes, sempre que necessários ao interesse público.
Espécies de poderes.
Nessa aula, estudaremos o poder disciplinar, o hierárquico, e o regulamentar. Deixaremos para a próxima aula o estudo do poder de polícia. Todos eles são exercidos através de atos administrativos. O ato administrativo pode ser vinculado, ou discricionário. Por isso, costuma-se falar também, em poder vinculado, e poder discricionário.
Poder vinculado e poder discricionário.
O exercício do poder vinculado ocorre quando a Administração pratica os chamados atos vinculados. O ato vinculado ocorre, quando a lei atribui determinada competência, definindo todos os aspectos da conduta a ser adotada pelo agente público, sem atribuir margem de liberdade. Onde houver vinculação, o agente público é um simples executor da vontade da lei. Como exemplo, temos o ato de lançamento tributário, previsto no Código Tributário Nacional. O agente competente para o lançamento não tem margem de liberdade, não tem escolha entre lançar ou não.
Já o poder discricionário significa uma maior margem de escolha pelo legislador, tendo em vista a conveniência e a oportunidade para atingir o interesse público.
Há várias justificativas possíveis para a existência dos atos discricionários.
Intenção deliberada do legislador. A discricionariedade seria uma técnica utilizada pelo legislador para transferir à Administração a possibilidade de escolher diante das situações concretas.
Impossibilidade de o legislador regrar todas as situações possíveis. Como as circunstâncias concretas variam enormemente, não é possível que o legislador as preveja integralmente. Daí a necessidade de a Administração fazer escolhas em algumas situações concretas.
Impossibilidade jurídica da supressão da discricionariedade. Em razão da tripartição dos poderes, o legislador está proibido de esgotar todas as situações concretas pertinentes a uma situação jurídica, ainda que isso fosse possível, uma vez que isso implicaria no esvaziamento das atribuições do Poder Executivo e a ruptura de sua independência.
Impossibilidade lógica. Como a norma criada pelo legislador deve necessariamente ser abstrata, o legislador é levado a utilizar conceitos vagos, imprecisos. Exemplos de conceitos vagos: boa-fé, risco iminente, perigo evidente, bons costumes, interesse público, solução adequada. Cada um desses conceitos pode adquirir significados diferentes diante das circunstâncias, razão pela qual se torna necessária a intervenção da discricionariedade administrativa.
Outro ponto que merece destaque é que não há ato administrativo totalmente discricionário. Todo ato, em algum aspecto, é vinculado. Uma discricionariedade total seria contrária ao próprio princípio da legalidade e da finalidade do interesse público. A questão é saber quais aspectos do ato administrativo são vinculados.
Majoritariamente, entende-se que os aspectos da competência, da finalidade e da forma são sempre vinculados. E os aspectos do motivo e do objeto podem ser discricionários. Podem ser, porque no ato vinculado, todos os aspectos são vinculados.
Competência. Para que o ato seja válido, deve ser praticado pelo agente ou órgão indicados pela Lei com atribuição para sua prática. Não há liberdade de escolha.
Forma. É o modo pelo qual a vontade da Administração se manifesta. Normalmente, a lei exige a forma escrita. Para que o ato administrativo seja válido, deve obedecer à forma prescrita pela Lei para a sua prática. Exemplo. Uma advertência ao servidor deve obedecer à forma escrita, por determinação legal. Também não há liberdade de escolha quanto a esse aspecto, e por isso ele é também vinculado.
Finalidade. O ato deve buscar sempre o interesse público. Assim são inválidos os atos praticados com fins pessoais ou para favorecer terceiros. Também não há margem de escolha.
Motivo. É o fato ou situação de direito que levou a Administração a praticar o ato. É a causa que autoriza a expedição do ato. Esse aspecto pode ser discricionário. O maior exemplo é quando a hipótese prevista na norma traz conceitos vagos. Veja o exemplo da Lei n. 9.784, que traz a expressão vaga “risco iminente”.
Objeto. É o resultado prático almejado pela Administração, quando pratica o ato. Por exemplo, atos praticados pela Administração para controlar a inflação decorrem de uma série de escolhas técnicas, baseadas na situação econômica de cada momento.
Nos atos discricionários, o poder judiciário pode controlar a legalidade dos aspectos vinculados. E pode controlar a razoabilidade, dos aspectos discricionários.
Poder disciplinar.
Consiste na possibilidade de a Administração aplicar punições, aos agentes públicos, que cometeram infrações funcionais.
O poder disciplinar está sempre sujeito à garantia do contraditório e da ampla defesa. E deve ser sempre motivado.
Poder disciplinar. Aspectos vinculados e discricionários.
Aplicar uma penalidade, punir, é sempre um dever da Administração, se algum agente cometer uma infração. Nesse aspecto, a Administração está vinculada. Mas a lei permite a escolha da pena aplicável, e nesse aspecto o poder disciplinar é discricionário.
Veja o exemplo da Lei n. 8.112/90. No art. 127, prevê um rol de punições. No art. 128, permite que a Administração dose a penalidade. É nessa dosagem que está a discricionariedade. Por exemplo, quando aplica suspensão, a Administração pode dosar a quantidade de dias, até o máximo de 90 dias, conforme a limitação imposta no art. 130 dessa lei.
Mas a Administração Federal, com base nessa lei, não pode escolher entre aplicação de advertência, ou suspensão, ou demissão, e assim por diante. É porque a Lei 8.112 já estabelece quais infrações serão punidas com advertência, quais outras são punidas com suspensão, quais outras com demissão. Isso significa que a lei federal, diminuiu a amplitude da discricionariedade que a Administração tem para punir.
Mas outras leis podem dar uma amplitude de escolha maior. É o caso do Estado de São Paulo. Para os servidores desse Estado, temos a aplicação da Lei estadual n. 10.261/68, que rege os servidores estaduais. No art. 251, prevê as penalidades. No art. 252, também estabelece a discricionariedade para a Administração dosar a pena. Mas veja os arts. 253 e 254. Note que a escolha entre repreensão e suspensão, fica dependendo do juízo discricionário da Administração, que poderá considerar a falta grave ou não. Essa lei dá uma margem discricionária maior à Administração do Estado de São Paulo, se compararmos com a liberdade que a Administração Federal tem em face da Lei n. 8.112/90.
A verificação da ocorrência da infração, por vezes, é vinculada, outras vezes é discricionária. Depende de como a infração é tipificada nas diversas leis. Tomemos o exemplo da Lei n. 8.112/90. Vemos que há infrações claramente definidas. Da maneira como estão redigidas, não há margem para a Administração avaliar a infração. É o caso do ato de retirar documento ou objeto da repartição, ou exercer o comércio. No entanto, outras vezes, a lei utiliza conceitos indeterminados, abrindo uma margem maior para a Administração avaliar a infração. É o caso do ato de proceder de forma desidiosa, ou valer-se do cargo em detrimento da dignidade da função pública. Essas expressões em destaque dão maior margem de discricionariedade à Administração.
Poder hierárquico.
É o poder de distribuir e ordenar as funções dos órgãos administrativos, estabelecendo a relação de subordinação entre servidores. Quando vemos um organograma, fica fácil compreender como a Administração tem o poder de se organizar internamente com vínculo de subordinação.
Esse poder implica:
- Na prerrogativa que as autoridades têm de dar ordens aos subordinados, gerando para eles o dever de obediência. Ressalvam-se as ordens manifestamente ilegais, que devem ser denunciadas.
- Implica, também, na prerrogativa de a autoridade superior fiscalizar os atos dos subordinados, velando sempre por sua legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, e assim por diante.
- A prerrogativa de rever os atos dos subordinados, no intuito de reformá-los ou mantê-los. Essa prerrogativa pode ser exercida pela autoridade de ofício ou a requerimento de algum interessado. A revisão hierárquica somente é possível enquanto o ato não se tenha tornado definitivo para a administração, situação que se costuma chamar de coisa julgada administrativa. Também é importante lembrar, como já estudamos, que quando o ato for revogado, devem ser respeitados os direitos adquiridos.
- Do poder hierárquico também decorre o poder de delegar atribuições. Delegação é a distribuição provisória de parcela das atribuições para um outro órgão administrativo. Existe a delegação vertical e a horizontal. A vertical ocorre quando o órgão delegante faz à distribuição para um órgão que lhe seja subordinado. A horizontal ocorre para órgãos fora da linha hierárquica.
Em nível federal, a delegação está regulada pela Lei n. 9.784/99, nos arts. 12 a 14. Pause a apresentação para ler melhor.
Finalmente, também decorre do poder hierárquico a prerrogativa de avocar atribuições. A avocação é a atração de atribuições que originariamente pertencem a subordinados. A autoridade superior chama para si a atribuição para a prática de algum ato. É necessário haver relação hierárquica e, por isso, a avocação só ocorre verticalmente.
Poder regulamentar.
É o poder concedido pela Constituição para que o Administrador possa editar atos administrativos normativos. A finalidade principal desse poder é detalhar e regulamentar a Lei. Já falamos sobre isso, na aula 9, quando vimos os atos normativos à luz do princípio da legalidade.
Quando a norma constitucional determina que a expedição de decretos e regulamentos se destina a dar fiel execução à lei, significa que o poder regulamentar não pode inovar no ordenamento jurídico. Também vimos isso na aula 9.
No entanto, a partir da Emenda Constitucional n. 32/01, foi inserida a possibilidade de regulamentos autônomos. São chamados de autônomos porque seu fundamento de validade encontra-se diretamente na Constituição, sem que regulamente lei alguma. Os regulamentos autônomos inovam o direito. Mas essa força inovadora é muito limitada, já que as únicas possibilidades de regulamento autônomo, previstas no art. 84, VI, da Constituição, se destinam à organização interna da Administração Pública, sem efeitos externos. Há países, como a França, em que a Administração Pública possui maiores poderes para editar regulamentos autônomos.
Revisão.
Conceituamos os poderes da Administração, chamando atenção para seu caráter instrumental. Por isso, também são chamados, de poderes-deveres.
Esses poderes são operados através de atos administrativos. Os atos podem ser vinculados, ou discricionários. Quanto a esses últimos, vimos que os aspectos da competência, finalidade, e forma são sempre vinculados. O que pode ser discricionário são os aspectos do motivo e do objeto.
Diante da existência de atos vinculados e discricionários, a doutrina costuma dizer que a Administração tem poder vinculado e discricionário.
Depois, estudamos os poderes disciplinar, hierárquico e regulamentar.
Bons estudos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário