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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Aula 09. Princípios: legalidade




Eis a ideia central do princípio da legalidade.

Esse princípio serve como um limite ao princípio da supremacia do interesse público. Se o princípio da supremacia põe a Administração numa situação de superioridade sobre o particular, o princípio da legalidade exige que a atuação da Administração se contenha nos limites da lei.

O centro do princípio da legalidade é a ideia de total subserviência da Administração Pública à lei.

O princípio da legalidade na doutrina.

Veja como alguns doutrinadores tratam do tema da legalidade. Perceba como a ideia central é a limitação da ação dos agentes públicos à lei.

Princípio da legalidade e Estado de Direito.

O princípio da legalidade é o coração do chamado Estado de Direito, ou seja, o Estado que obedece às leis. Nossa Constituição define o Brasil como um Estado Democrático de Direito e por isso o princípio da legalidade é inerente ao nosso Estado. Mas nem sempre isso foi assim.

Antes do Estado de Direito, prevalecia o Estado Absolutista. O período absolutista é marcado pelo poder forte, centralizado e superior a quaisquer leis, exercido pelos monarcas. A célebre frase de Luís XIV, “o Estado sou eu”, ou aquele princípio adotado na Inglaterra, segundo o qual “o Rei não erra” e, portanto, o Estado não tem responsabilidade civil, espelham bem esse período. É um período de centralização total do poder nas mãos do soberano, o que gerava a incerteza do direito, que flutuava juntamente com a vontade do soberano.

Pensadores políticos de grande influência escreveram obras como reação ao absolutismo. John Locke dizia que o Estado resulta de um contrato entre o Rei e o povo, que é rompido quando uma das partes o viola. Na linha do pensamento de Santo Tomás, Locke ensina que os direitos naturais do homem são anteriores e superiores ao Estado e, assim são anteriores e superiores ao poder do Rei.

Montesquieu postulava, em sua clássica obra, O Espírito das Leis, a separação dos poderes em três, legislativo, executivo e judiciário, como forma de frear o poder para evitar a tirania.

Perceba que o Estado de Direito foi se formando justamente com a ideia de legalidade, no sentido de que o Estado deveria se submeter à própria lei que ele mesmo cria.

O princípio da legalidade se aplica tanto nos atos administrativos concretos, quanto nos atos normativos.

Os atos concretos são aqueles que possuem destinatários determinados ou determináveis. São exemplos de atos concretos: multas, autorizações, permissões, licenças, nomeação ou exoneração de um servidor, tombamento de um imóvel, alvará de localização, etc.

Os atos normativos são comandos gerais e abstratos. Por isso mesmo, regulam uma quantidade indeterminada de pessoas que se encontrem na mesma situação jurídica. Um decreto, por exemplo, se aplica a todos os que estiverem na situação prevista nele e o mesmo se dá com as portarias, resoluções, circulares, editais de concursos, etc.

Os atos normativos também são chamados de atos abstratos e expressam o poder dado à Administração para regulamentar as leis. É o chamado Poder Regulamentar.

O princípio da legalidade tem incidência nessas duas espécies de atos. Vamos começar pelos atos normativos.

Legalidade e atos normativos. A hierarquia entre normas.

Para vermos como o princípio da legalidade se aplica aos atos administrativos normativos, precisamos relembrar uma matéria de Direito Constitucional. A hierarquia entre as normas.

Veja esse quadro. No topo da hierarquia, estão. A Constituição Federal. As Emendas Constitucionais posteriores. E os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, quando aprovados com a mesma votação de emendas constitucionais, como previsto no art. 5º, §3º, da Constituição. Essas normas compõem o chamado bloco de constitucionalidade.

Abaixo, temos os demais Tratados Internacionais de Direitos Humanos, quando não aprovados por votação semelhante àquela das emendas constitucionais. Eles ocupam uma posição supralegal e infraconstitucional, conforme entendimento do Supremo.

Abaixo, temos diversas normas, a maioria prevista no art. 59 da Constituição. Leis complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Medidas Provisórias, Decretos Legislativos, Resoluções Legislativas. E, segundo a jurisprudência tradicional do Supremo, os Tratados Internacionais que não sejam de Direitos Humanos, entram no ordenamento jurídico brasileiro com status de Lei Ordinária. Apenas lembrando que Decretos Legislativos e Resoluções são atos privativos do Congresso, que não passam por sanção ou veto do Presidente da República e que têm status de lei.

Abaixo dessas normas é que estão os atos normativos que nos interessam nessa aula. Você vê aí alguns exemplos de atos normativos.

O Decreto é ato próprio do Chefe do Poder Executivo. Os demais atos são próprios de autoridades diversas. Inclusive, no Judiciário e no Legislativo, também se editam portarias, resoluções, etc.

Legalidade e atos normativos. Limites do Poder Regulamentar.

Como vimos, a possibilidade de a Administração Pública editar atos normativos é chamada de Poder Regulamentar. As normas legais funcionam como limites a esse Poder.

Aqui, tenhamos em vista duas normas constitucionais. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Isso quer dizer que é a lei que pode criar direitos ou deveres novos ao cidadão e não o Decreto ou Regulamento. Um ato normativo da Administração Pública não pode criar direito ou dever novo. É necessária uma norma de status legal, ou superior. Temos ainda, essa outra norma, segundo a qual compete ao presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis. Atenção a essa expressão, fiel execução. Significa que os Decretos e Regulamentos não podem ir além daquilo que está disciplinado em lei, não podem criar direitos ou deveres novos, não previstos na lei e nem podem limitar os direitos conferidos pela lei.

Essas duas normas constitucionais oferecem os limites dentro dos quais a Administração pode exercer o poder regulamentar. Veja aí o que um regulamento, pode ou não pode fazer. Não pode inovar no ordenamento jurídico, criando direitos e deveres novos, ou limitando direitos. Porque ninguém pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Mas a Administração pode fixar normas derivadas, uma vez que isso significa dar fiel execução à lei.

Normas derivadas são aquelas estipuladas em regulamento, mas que derivam de disposição fixada em lei. Essas normas derivadas, também podem ser chamadas de “subsidiárias”, “decorrentes”, “secundárias” ou outros termos.

Atenção. Para que as normas derivadas, estipuladas pela Administração, sejam válidas, é necessário que haja um vínculo de adequação com a norma originária. Se esse requisito não for obedecido, a norma será inválida, porque não estará dando fiel execução à lei.

Por exemplo, imagine que uma lei municipal determine que pessoas desempregadas terão direito a transporte público gratuito. A Administração pode editar um ato normativo, estipulando quais documentos a pessoa deverá trazer para comprovar que está desempregada. Isso está dentro do Poder Regulamentar. Pode exigir todos os documentos adequados à comprovação de que a pessoa está desempregada, porque o desemprego já é a condição estabelecida em lei para gozar do benefício. Essa obrigação de apresentar o documento não está expressa na lei, mas deriva dela. Na lei é criada a norma primária, que concede o benefício a quem está desempregado. Já no Decreto, surge uma norma derivada, que impõe o dever de apresentar documentos pertinentes.

Mas a Administração não pode, sem previsão legal, determinar que um dos documentos seja o comprovante de residência naquele específico município, se a lei não atribuiu o benefício apenas a moradores desse município. Nesse segundo caso, ocorre inadequação entre a lei, norma primária, e o decreto, norma secundária. A Administração estará exorbitando de seu poder regulamentar, o que pode permitir a impetração de mandado de segurança.

Legalidade e atos normativos. Deslegalização e normas técnicas.

Modernamente, em virtude da crescente complexidade das atividades da Administração, passou-se a aceitar o fenômeno da deslegalização. O legislador transfere para a Administração Pública, a competência para regular certas matérias, que requerem conhecimentos técnicos muito específicos. Eis um exemplo, tirado de uma Resolução da Anatel. Veja que a norma é extremamente técnica. Deputados e senadores, em geral, não têm o conhecimento necessário para deliberar sobre tais assuntos. O fundamento da deslegalização está justamente na incapacidade do Legislador para criar a regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica. Assim, o próprio Legislativo delega à Administração Pública a função de normatizar certas atividades. E a Administração vai utilizar seu corpo de especialistas e técnicos, que podem discernir melhor sobre esses assuntos.

A normatização sai do domínio da lei para o domínio do ato regulamentar.

É importante ressaltar que essa delegação não é completa, mas sujeita-se a limites. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico, calcado nos critérios políticos. Assim, a discricionariedade política permanece com o Legislador. O que se transfere é a discricionariedade técnica, sendo que a lei estipula parâmetros que a Administração deverá respeitar. É o que no Direito americano se denomina, “delegação com parâmetros”.

Legalidade e atos administrativos concretos. Ampliação do conceito de legalidade.

Até agora, falamos dos atos normativos. Vamos pensar um pouco nos atos concretos, que são aqueles que possuem um ou mais destinatários determinados, como multas, alvarás, licenças.

O agente público que pratica um ato concreto deve obedecer todas as normas válidas que digam respeito àquele ato. Ou seja, não deve se preocupar somente com a lei em sentido estrito, a lei editada pelo poder legislativo, mas deve obedecer a todas as normas aplicáveis.

Para ampliar o conceito de legalidade, a fim de não se limitar à lei em sentido estrito, a doutrina tem utilizado a expressão, “princípio da juridicidade”. Essa expressão é mais ampla, pois abarca diversos outros tipos de normas e não somente a lei.

Essa doutrina já entrou na legislação federal. Veja.

Essa atuação conforme o direito, diz respeito àquilo que é chamado de bloco de legalidade. Ele envolve a Constituição Federal, as Constituições dos Estados e as Leis Orgânicas municipais, as Medidas Provisórias, os Tratados e Convenções Internacionais, os Decretos e Regulamentos da Administração, os costumes, os princípios gerais do direito, as Leis Ordinárias e Complementares, os Decretos Legislativos e as Resoluções Legislativas.

O princípio da legalidade na jurisprudência.

Vejamos agora alguns casos jurisprudenciais interessantes e que nos ajudam a compreender o princípio da legalidade.

Leia o primeiro caso, em que o Supremo julgou inconstitucional uma Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, que fixou o teto da remuneração dos membros do MP.

Nesse outro caso, foi a vez do Ministério da Previdência e Assistência Social violar o princípio, ao aumentar alíquota de contribuição mediante Portaria.

E aqui um caso interessante. Ocorreu que o Poder Judiciário, aqui atuando como Administração Pública, publicou um edital de concurso para que fossem selecionados servidores para determinados cargos. Na época do edital, esses cargos exigiam apenas a formação em ensino fundamental. As provas foram realizadas na vigência dessa lei. No entanto, antes da nomeação dos aprovados, a lei foi alterada, passando-se a exigir o ensino médio completo. O ato de nomeação seria praticado na vigência da nova lei. Então, caberia a seguinte pergunta. Poderia a Administração nomear aprovados que só tivessem completado o ensino fundamental, se a lei em vigor na data da nomeação exigia ensino médio? Para o Supremo, a Administração não poderia fazer isso. Estaria praticando um ato ilegal, ao nomear servidores que não possuem a escolaridade exigida pela lei, na data da nomeação. Para a Corte, enquanto não concluído e homologado o concurso público, pode a Administração alterar as condições do certame constantes do respectivo edital, para adaptá-las à nova legislação. Isso com base no princípio da legalidade, já que a Administração Pública só poderia praticar um ato, no caso, nomeação de servidor, com base em lei, que agora estipula novo grau de escolaridade.

Hoje, conceituamos o princípio da legalidade, intimamente ligado ao Estado de Direito. Quanto aos atos concretos, estudamos a viabilidade das normas derivadas e da deslegalização de normas técnicas. Quanto aos concretos, a doutrina fala em princípio da juridicidade, apoiada sobre o conceito, de bloco de legalidade. Terminamos com exemplos práticos. Até a próxima

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