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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Aula 08. Princípios: supremacia do interesse público sobre o interesse privado e indisponibilidade do interesse público



Trataremos dos princípios em quatro aulas. Veja.

A doutrina fala em “supraprincípios” ou “superprincípios” do Direito Administrativo. A supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a indisponibilidade do interesse público. Seriam os dois princípios fundamentais, sobre os quais se alicerçam todos os outros. É o que vamos estudar nessa aula.

Supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Trata-se de uma regra inerente a qualquer grupo social. Os interesses do grupo devem prevalecer sobre os do indivíduo que o compõe.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado significa posição privilegiada da Administração Pública nas suas relações com os particulares, uma vez que ela representa o interesse da coletividade.

Do princípio da supremacia, decorrem alguns efeitos. Veja alguns exemplos.

Presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos. Isso quer dizer que as afirmações feitas pela Administração Pública são tidas, inicialmente, como verídicas. O interessado é que deve provar o contrário.

Exigibilidade e Autoexecutoriedade dos atos administrativos. A Administração pode exigir o cumprimento de suas determinações, sem necessidade de solicitar essa providência ao Judiciário.

Outorga de poderes à Administração Pública, como o poder de polícia.

Possibilidade que a Administração tem de constituir ou modificar relações jurídicas com terceiros unilateralmente, independentemente da vontade deles.

Cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, que veremos mais tarde. Essas cláusulas permitem, por exemplo, que a Administração Pública altere unilateralmente os contratos administrativos, sem necessitar da concordância da outra parte.

Possibilidade de desapropriar ou tombar bens privados.

Possibilidade de requisitar compulsoriamente o serviço de particulares, como é o caso dos mesários.

Dever de o particular dar passagem de trânsito para viaturas sinalizando situação de emergência.

Supremacia. Caráter instrumental.

O princípio da supremacia tem caráter meramente instrumental. Não tem valor em si mesmo. É um instrumento dado à Administração para realizar o seu dever de atuar em prol da coletividade.

As prerrogativas da Administração não significam que ela tem liberdade para exercê-las como quiser. Deve exercer suas prerrogativas e poderes nos limites do interesse público.

Isso porque a Administração Pública exerce meramente uma função: a função administrativa. Uma pessoa exerce função quando está investida no dever de satisfazer algumas finalidades em prol do interesse de outra pessoa. Essa outra pessoa é a coletividade. Se pensássemos em termos de direito privado, poderíamos dizer que a Administração recebeu uma procuração para agir em nome da coletividade. Em toda procuração, ocorre a outorga de poderes, mas esses poderes são apenas um meio, um instrumento, para se alcançar a finalidade pretendida, não pela pessoa que recebeu a procuração, mas pelo mandante.

Interesse público primário e secundário.

O caráter instrumental do princípio da supremacia nos ajuda a compreender a distinção feita pela doutrina italiana a respeito dessas duas espécies de interesse público.

O interesse público primário é o interesse da coletividade como um todo.

O secundário é o interesse do Estado enquanto pessoa. Como a Administração Pública se configura numa pessoa jurídica, por vezes essa pessoa passa a ter interesse próprio, distinto do interesse primário. Por exemplo, o interesse primário pode ser o da concessão de benefícios previdenciários a todos os que têm direito, enquanto que a pessoa estatal responsável pode passar a ter interesse em adiar a concessão desses benefícios para não gastar.

O interesse público primário é o interesse público propriamente dito. É o único interesse que a Administração deve perseguir, é o único que justifica o princípio da supremacia, é o único que justifica as prerrogativas da Administração Pública.

Princípio da indisponibilidade do interesse público.

Os agentes públicos não podem atuar conforme suas ideias, valores, crenças, mas devem pôr em prática a vontade pública expressa nas normas.

Os interesses públicos são indisponíveis, ou seja, não pertencem à Administração, tampouco a seus agentes públicos. A eles cabe apenas a sua gestão em prol da coletividade. É ela, a coletividade, a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos.

As normas já estabelecem a finalidade de interesse público que a administração deve perseguir. Pelo princípio da indisponibilidade, os agentes públicos devem seguir a rota já traçada pelas normas, perseguindo as finalidades já estipuladas nelas. Se desviar do interesse público, sua atuação estará viciada pelo desvio de finalidade.

Indisponibilidade e vedação a renúncias por parte da Administração.

Em razão desse princípio são vedados ao administrador quaisquer atos que impliquem em renúncia de direitos da Administração.

Por exemplo, em regra, os agentes públicos não podem transacionar em nome da Administração, porque isso significaria dispor do interesse público. Podem fazê-lo, quando houver lei que o permita. Vejamos alguns exemplos.

Essa norma prevê a possibilidade de a Administração fazer a conciliação, a transação, ou mesmo a desistência, mas conforme a lei do respectivo ente da Federação.

Um outro exemplo. A União e as empresas públicas federais podem realizar acordos ou transações em juízo, nas causas de valor até quinhentos mil reais.

Portanto, em regra, a renúncia de direitos só pode ser realizada se houver autorização expressa na lei.

O princípio da indisponibilidade também implica outra consequência. Em regra, agentes públicos, representando a Administração, não podem estipular contratos administrativos em que se preveja a arbitragem, salvo quando autorizados pela Lei. É o caso dessa norma.

Note, porém, que em certos casos, a Administração Pública pode transigir, mesmo sem lei autorizativa. Foi o que definiu o Supremo Tribunal Federal, neste Recurso Extraordinário. Como disse o Supremo, o princípio da indisponibilidade deve ser atenuado, quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração foi, ao final, mais benéfica ao interesse público. No caso concreto, a Administração fez um acordo extrajudicial, para pagar menos do que devia, a duas servidoras públicas. Assim, fez acordo sem lei expressa, obtendo como resultado uma economia aos cofres públicos.

Poderíamos questionar essa decisão do Supremo. Afinal, qual interesse foi realmente protegido, o primário ou o secundário? Aparentemente, o que foi protegido, foi o interesse secundário, ou seja, o interesse do Estado em economizar. O interesse primário é o de uma Administração justa, que cumpra a lei integralmente, pagando o que é devido aos seus servidores. De qualquer forma, essa orientação do Supremo não pode ser desconsiderada, quando se fala em vedação a renúncias não autorizadas expressamente em lei.

Alguns exemplos jurisprudenciais de aplicação do princípio da indisponibilidade.

Não se aplica o princípio da insignificância no crime de peculato, uma vez que o bem jurídico ofendido nesse crime é de interesse público.

A Administração pode pagar voluntariamente suas dívidas, sem ofensa a esse princípio. Ou seja, não é por causa da indisponibilidade, que a Administração estará autorizada a inadimplir suas obrigações. Alguns, equivocadamente, chegam mesmo a pensar que o princípio da indisponibilidade exige que todos tenham que cobrar da Administração em juízo e que o Poder Público jamais deveria pagar algo de ofício. Como se vê dessa decisão, tal interpretação é uma deturpação do princípio, uma vez que o interesse público primário é, justamente, que a Administração cumpra seus deveres.

O princípio trabalhista da imediaticidade não se aplica à Administração Pública. Por esse princípio, no direito do trabalho, se o empregador não punir o empregado dentro de um prazo razoável, decai do direito de punir. Isso é equivalente a um perdão tácito. Como a Administração Pública não pode renunciar a seus direitos, salvo quando autorizada expressamente em lei, não cabe falar em perdão tácito. Assim, ela tem prazos prescricionais próprios para punir seus servidores, ou empregados públicos, sem que se possa falar em perdão tácito.

Inaptidão da mera confissão, ou da revelia, para gerar efeitos em processos administrativos disciplinares. É necessário, ao menos, que haja verossimilhança da acusação. Assim, se um servidor público sofre processo administrativo, no qual se alega que tenha praticado um ilícito e não comparece para se defender, a Administração Pública não pode tomar essa ausência como razão para, automaticamente, punir o servidor. Deve haver um conjunto probatório mínimo, que demonstre que é pelo menos aceitável a imputação dos fatos ao servidor. Essa é uma aplicação do princípio da indisponibilidade, porque é do interesse da coletividade que a verdade material seja respeitada no processo administrativo.

Aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica para punir licitante. Esse mandado de segurança julgou um fato interessante. Uma sociedade empresarial foi excluída da licitação, por apresentar documento falso em processo de licitação. Os mesmos sócios constituíram nova sociedade, com o mesmo objeto e o mesmo endereço da anterior e justificaram que a sociedade punida foi a anterior e não a nova, recentemente constituída. A Administração Pública estendeu a essa nova entidade a mesma sanção aplicada à anterior, com base na desconsideração da personalidade jurídica. Para o Superior Tribunal de Justiça, pelo princípio da indisponibilidade, a Administração Pública agiu bem, excluindo a nova entidade, pois assim resguardou o interesse público, que ela, a Administração, deve tutelar.

Revisão.

Essa foi a nossa primeira aula sobre princípios.

Vimos que a doutrina chama de “supraprincípios”, ou “superprincípios”, aos princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e da indisponibilidade do interesse público. São chamados assim por serem os princípios superiores, dos quais decorrem os demais.

Estudamos o princípio da supremacia do interesse público. Vimos as prerrogativas que são conferidas à Administração, para que possa impor o interesse público ao particular.

O princípio da supremacia tem caráter instrumental. Significa que o administrador não pode manejar os poderes administrativos como quiser, mas deve perseguir as finalidades de interesse público.

Vimos que o interesse público pode ser primário ou secundário. O primário é o interesse da coletividade, é o interesse público propriamente dito. O secundário é o interesse do Estado enquanto pessoa jurídica.

Por fim, estudamos também o princípio da indisponibilidade do interesse público. Vimos diversas decorrências dele, dando destaque à proibição de transigir se não houver lei autorizativa para tanto. Analisamos algumas decisões judiciais, que tratam desse princípio.

Até a próxima!

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